A economista, palestrante, consultora e escritora recomenda que você avalie seu jeito de pensar e tomar decisões. Assim, poderá fazer escolhas melhores
MARCOS CORONATO
02/04/2014 07h00 - Atualizado em 02/04/2014 12h01
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Há 20 anos a economista britânica Noreena Hertz vem ajudando altos funcionários de governos, empresas e ONGs a tomar decisões. Noreena é doutora em economia e dá aulas no University College London. Em sua trajetória profissional, fez parte de equipes internacionais responsáveis por orientar governos em situações difíceis, como na Rússia após o fim da União Soviética e em várias nações do Oriente Médio durante negociações de paz. A partir daí, tornou-se uma requisitada palestrante e escritora. Aos 46 anos, ela publica um livro sobre como tomar decisões melhores – De olhos bem abertos, que será publicado pela Editora Objetiva no Brasil na segunda quinzena de março.
ÉPOCA – A senhora critica o uso de apresentação de slides para a tomada de decisões. Qual o problema de tentarmos convencer uns aos outros com apresentações simples e diretas?
Noreena Hertz – É compreensível que estejamos todos pressionados, com pouco tempo e muito a fazer. Chefes pedem para receber informações do jeito mais rápido possível. Mas isso reduz situações complexas a apresentações supersimplificadas. Com isso, perdemos contexto e nuances. É perigoso. O Exército dos Estados Unidos percebeu isso e usa apresentações de PowerPoint para pautar a mídia. Eles chamam isso de “hipnotizar galinhas”. Tudo é reduzido a alguns tópicos, e seus olhos vão direto para o topo dos slides. Perde-se informação preciosa – ou ela fica em segundo plano ou é eliminada. Perde-se o hábito de ouvir alguém lendo ou acompanhar as explicações de alguém sobre um assunto. Difunde-se uma cultura de que só importa o que pode ser medido em números. Uma vez aconselhei uma grande organização de assistência a crianças. Havia muitos sinais de que o abuso doméstico era um problema sério no país, mas o executivo responsável se concentrava apenas no que podia medir, como o número de crianças na escola ou o número de crianças vacinadas, mesmo que esses não fossem mais problemas sérios naquele país.
Noreena Hertz – É compreensível que estejamos todos pressionados, com pouco tempo e muito a fazer. Chefes pedem para receber informações do jeito mais rápido possível. Mas isso reduz situações complexas a apresentações supersimplificadas. Com isso, perdemos contexto e nuances. É perigoso. O Exército dos Estados Unidos percebeu isso e usa apresentações de PowerPoint para pautar a mídia. Eles chamam isso de “hipnotizar galinhas”. Tudo é reduzido a alguns tópicos, e seus olhos vão direto para o topo dos slides. Perde-se informação preciosa – ou ela fica em segundo plano ou é eliminada. Perde-se o hábito de ouvir alguém lendo ou acompanhar as explicações de alguém sobre um assunto. Difunde-se uma cultura de que só importa o que pode ser medido em números. Uma vez aconselhei uma grande organização de assistência a crianças. Havia muitos sinais de que o abuso doméstico era um problema sério no país, mas o executivo responsável se concentrava apenas no que podia medir, como o número de crianças na escola ou o número de crianças vacinadas, mesmo que esses não fossem mais problemas sérios naquele país.
ÉPOCA – Se o chefe me pede para fazer uma apresentação rápida, o que posso fazer para mostrar as nuances do tema?
Noreena – É sempre útil encontrar um exemplo com que seu interlocutor possa se conectar. Um caso que sempre tem impacto entre executivos, a fim de evitar que uma organização fique acomodada no próprio sucesso, é a Nokia. Ela era a estrela global do setor de comunicações, mas a administração parecia dormir no trabalho quando a Apple apresentou o iPhone, em 2007. Os engenheiros e designers da Nokia já haviam desenvolvido características parecidas com o iPhone, como o teclado swipe (por deslizamento dos dedos), a tela sensível, com cores vivas. Quando as apresentaram aos executivos, ouviram que não era isso que o consumidor queria. Para ajudar os outros a decidir ou mudar o comportamento deles, é sempre útil destacar histórias assim, em que eles possam se reconhecer.
Noreena – É sempre útil encontrar um exemplo com que seu interlocutor possa se conectar. Um caso que sempre tem impacto entre executivos, a fim de evitar que uma organização fique acomodada no próprio sucesso, é a Nokia. Ela era a estrela global do setor de comunicações, mas a administração parecia dormir no trabalho quando a Apple apresentou o iPhone, em 2007. Os engenheiros e designers da Nokia já haviam desenvolvido características parecidas com o iPhone, como o teclado swipe (por deslizamento dos dedos), a tela sensível, com cores vivas. Quando as apresentaram aos executivos, ouviram que não era isso que o consumidor queria. Para ajudar os outros a decidir ou mudar o comportamento deles, é sempre útil destacar histórias assim, em que eles possam se reconhecer.
ÉPOCA – Há hoje uma proliferação de especialistas, e eles ficaram mais acessíveis. Podem nos ajudar a decidir, mas a senhora tem ressalvas em relação a eles.
Noreena – É claro que a educação, o treinamento, a experiência e as opiniões de um especialista devem ser levados em conta. Mas é importante usá-los do jeito correto. Especialistas erram muito. Se pensarmos na crise financeira (o então presidente do banco central dos EUA), Alan Greenspan disse que estava tudo bem meses antes de a economia ir pelos ares. As agências de classificação de risco fizeram julgamentos terríveis, incluindo no Brasil. Um estudo fascinante (feito pelo psicólogo americano Philip Tetlock em 2003) avaliou 82 mil previsões feitas por especialistas ao longo de 16 anos. Descobriu que eles não se saíram melhor do que se sairia um macaco fazendo escolhas aleatórias. O banco da Inglaterra percebeu que era possível fazer previsões sobre o mercado imobiliário melhores consultando o Google Trends sobre buscas por palavras como “corretor” ou “hipoteca” do que consultando os números oficiais do governo. O primeiro-ministro David Cameron e toda a equipe dele, agora, monitoram o Google Trends.
Noreena – É claro que a educação, o treinamento, a experiência e as opiniões de um especialista devem ser levados em conta. Mas é importante usá-los do jeito correto. Especialistas erram muito. Se pensarmos na crise financeira (o então presidente do banco central dos EUA), Alan Greenspan disse que estava tudo bem meses antes de a economia ir pelos ares. As agências de classificação de risco fizeram julgamentos terríveis, incluindo no Brasil. Um estudo fascinante (feito pelo psicólogo americano Philip Tetlock em 2003) avaliou 82 mil previsões feitas por especialistas ao longo de 16 anos. Descobriu que eles não se saíram melhor do que se sairia um macaco fazendo escolhas aleatórias. O banco da Inglaterra percebeu que era possível fazer previsões sobre o mercado imobiliário melhores consultando o Google Trends sobre buscas por palavras como “corretor” ou “hipoteca” do que consultando os números oficiais do governo. O primeiro-ministro David Cameron e toda a equipe dele, agora, monitoram o Google Trends.
ÉPOCA – Devemos descartar então os especialistas?
Noreena – Não digo “não confie em especialistas”. Recomendo que você os escolha com cuidado, que não ouça um especialista só, que questione as opiniões deles e que as use com outras. Se você tem uma condição clínica, provavelmente receberá conselhos bons e úteis de outras pessoas na mesma situação. Procure ou crie uma comunidade de pessoas com essa mesma condição. Elas provavelmente terão mais informação sobre tratamentos possíveis e sobre como lidar com os efeitos da doença do que o médico estressado, com excesso de trabalho, que você ouvirá. E há aquelas ocasiões em que você tem motivos para não confiar de jeito nenhum no que os especialistas dizem, na mentira oficial. Após o desastre da usina nuclear de Fukushima, cientistas a serviço do governo japonês insistiram que a radiação não oferecia perigo em algumas áreas. Cidadãos tinham seus próprios contadores Geiger (medidores de radioatividade). Eles começaram a gravar o que registravam e a publicar na internet. Fizeram um mapa coletivo de medições de radioatividade, e aí surgiu a história verdadeira.
Noreena – Não digo “não confie em especialistas”. Recomendo que você os escolha com cuidado, que não ouça um especialista só, que questione as opiniões deles e que as use com outras. Se você tem uma condição clínica, provavelmente receberá conselhos bons e úteis de outras pessoas na mesma situação. Procure ou crie uma comunidade de pessoas com essa mesma condição. Elas provavelmente terão mais informação sobre tratamentos possíveis e sobre como lidar com os efeitos da doença do que o médico estressado, com excesso de trabalho, que você ouvirá. E há aquelas ocasiões em que você tem motivos para não confiar de jeito nenhum no que os especialistas dizem, na mentira oficial. Após o desastre da usina nuclear de Fukushima, cientistas a serviço do governo japonês insistiram que a radiação não oferecia perigo em algumas áreas. Cidadãos tinham seus próprios contadores Geiger (medidores de radioatividade). Eles começaram a gravar o que registravam e a publicar na internet. Fizeram um mapa coletivo de medições de radioatividade, e aí surgiu a história verdadeira.
ÉPOCA – Cometemos erros diferentes nas decisões profissionais e privadas? Ao decidir sozinhos ou com aconselhamento?
Noreena – Cometemos o mesmo monte de erros como profissionais ou na vida privada. Somos atrapalhados por fatores tolos. Quando estamos cansados, dormindo quatro ou cinco horas por noite, é como se estivéssemos tomando decisões bêbados. Isso afeta igualmente os pais de um recém-nascido e um presidente. (O ex-presidente dos EUA) Bill Clinton admitiu ter tomado algumas de suas piores decisões no cargo quando dormira mal. Somos atrapalhados por vieses e por influências sem sentido no raciocínio. Há estudos mostrando que se dão mais gorjetas a garçons com gravatas vermelhas. Em sites de relacionamento, os homens tendem a achar a mesma mulher mais atraente contra um fundo vermelho do que contra um fundo verde ou amarelo. Investidores são mais propensos a comprar uma ação se receberem informação contra um fundo verde do que se a receberem contra um fundo vermelho. Todos podemos cometer os mesmos tipos de erro. Na vida privada, em grandes decisões, como investimentos, compra de imóvel ou tratamento médico, costumamos seguir um método. Consultamos especialistas, pedimos conselhos e, provavelmente, fazemos alguma pesquisa por conta própria. Há dois tipos de erro comuns aí. Um é nos “afogarmos” em excesso de informação que não conseguimos avaliar. O outro é prestarmos atenção somente ao que nos revela que nossa opinião inicial estava correta. Se alguém consulta médicos e não quer fazer uma cirurgia, tende a prestar mais atenção ao médico que diz “você não deveria fazer essa operação”. Da mesma forma, um alto executivo que queira investir na China prestará mais atenção a quem lhe recomende que faça isso.
Noreena – Cometemos o mesmo monte de erros como profissionais ou na vida privada. Somos atrapalhados por fatores tolos. Quando estamos cansados, dormindo quatro ou cinco horas por noite, é como se estivéssemos tomando decisões bêbados. Isso afeta igualmente os pais de um recém-nascido e um presidente. (O ex-presidente dos EUA) Bill Clinton admitiu ter tomado algumas de suas piores decisões no cargo quando dormira mal. Somos atrapalhados por vieses e por influências sem sentido no raciocínio. Há estudos mostrando que se dão mais gorjetas a garçons com gravatas vermelhas. Em sites de relacionamento, os homens tendem a achar a mesma mulher mais atraente contra um fundo vermelho do que contra um fundo verde ou amarelo. Investidores são mais propensos a comprar uma ação se receberem informação contra um fundo verde do que se a receberem contra um fundo vermelho. Todos podemos cometer os mesmos tipos de erro. Na vida privada, em grandes decisões, como investimentos, compra de imóvel ou tratamento médico, costumamos seguir um método. Consultamos especialistas, pedimos conselhos e, provavelmente, fazemos alguma pesquisa por conta própria. Há dois tipos de erro comuns aí. Um é nos “afogarmos” em excesso de informação que não conseguimos avaliar. O outro é prestarmos atenção somente ao que nos revela que nossa opinião inicial estava correta. Se alguém consulta médicos e não quer fazer uma cirurgia, tende a prestar mais atenção ao médico que diz “você não deveria fazer essa operação”. Da mesma forma, um alto executivo que queira investir na China prestará mais atenção a quem lhe recomende que faça isso.
ÉPOCA – A era digital mudou a forma como decidimos. Além do perigo do “afogamento” no excesso de informação, que outros cuidados ela exige?
Noreena – É uma faca de dois gumes. Temos essa quantidade incrível de dados à disposição, e isso nos oferece ótimas possibilidades. Mas também corremos o risco de nos afogarmos em dados. Temos de tomar decisões numa era de distração digital, de e-mail e redes sociais. Essas distrações nos mantêm num estado hormonal de estresse constante. Podemos ficar viciados nelas. Isso não é bom para decidir. Temos de manejar melhor nossas vidas digitais. Tento conter meu uso de e-mail. Em vez de deixá-lo aberto o dia todo, confiro duas a quatro vezes por dia. Recomendo também tirar uma folga digital semanal, um dia sem checar e-mail, sem entrar em redes sociais. Um dos melhores procedimentos que você pode adotar antes de tomar uma decisão, privada ou profissional, é delimitar um tempo e espaço para apenas pensar. É incrivelmente difícil fazer isso hoje.
Noreena – É uma faca de dois gumes. Temos essa quantidade incrível de dados à disposição, e isso nos oferece ótimas possibilidades. Mas também corremos o risco de nos afogarmos em dados. Temos de tomar decisões numa era de distração digital, de e-mail e redes sociais. Essas distrações nos mantêm num estado hormonal de estresse constante. Podemos ficar viciados nelas. Isso não é bom para decidir. Temos de manejar melhor nossas vidas digitais. Tento conter meu uso de e-mail. Em vez de deixá-lo aberto o dia todo, confiro duas a quatro vezes por dia. Recomendo também tirar uma folga digital semanal, um dia sem checar e-mail, sem entrar em redes sociais. Um dos melhores procedimentos que você pode adotar antes de tomar uma decisão, privada ou profissional, é delimitar um tempo e espaço para apenas pensar. É incrivelmente difícil fazer isso hoje.
ÉPOCA – A senhora recomenda que todos prestemos atenção a nosso jeito de pensar e decidir, a fim de identificar falhas. O que a senhora já percebeu em seu jeito de decidir?
Noreena – Tento identificar meu estado emocional. Se estamos com raiva, confiamos menos; se estamos felizes, confiamos mais. Se estamos estressados, deixamos de perceber contextos mais amplos. Se estamos ansiosos, tornamo-nos mais avessos a risco. Também fico mais atenta a meu estado físico. Se estou faminta, com sono, cansada, evito tomar decisões importantes. Também passei a prestar mais atenção à linguagem. No passado, comprava muito mais produtos por causa da linguagem usada na embalagem ou na publicidade, por causa de palavras bonitas ou que parecessem científicas. Hoje, sou mais atenta a isso e penso se realmente preciso daquele produto.
Noreena – Tento identificar meu estado emocional. Se estamos com raiva, confiamos menos; se estamos felizes, confiamos mais. Se estamos estressados, deixamos de perceber contextos mais amplos. Se estamos ansiosos, tornamo-nos mais avessos a risco. Também fico mais atenta a meu estado físico. Se estou faminta, com sono, cansada, evito tomar decisões importantes. Também passei a prestar mais atenção à linguagem. No passado, comprava muito mais produtos por causa da linguagem usada na embalagem ou na publicidade, por causa de palavras bonitas ou que parecessem científicas. Hoje, sou mais atenta a isso e penso se realmente preciso daquele produto.
http://epoca.globo.com/ideias/noticia/2014/04/noreena-hertz-bvoce-tem-de-duvidar-dos-especialistasb.html
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