sexta-feira, 22 de junho de 2012

Recursos Humanos: Terceira revolução corporativa ? (Parte 2)


*Claudemir Oliveira
Na primeira parte deste artigo, falei muito dos gurus e papas de marketing e como eles influenciaram e influenciam universidades e empresas através de seus conceitos. Resumindo, saímos do foco em produto (década de 40),  depois passamos para o cliente (décadas de 60-90). Ainda acho tímida, apesar do progresso, o que chamo da terceira revolução: foco no colaborador. Em outros artigos, falei que, se fosse CEO de uma grande corporação, escolheria a dedo minha executiva de Recursos Humanos (por que será que usei o feminino?), mas devido à evolução do marketing, entende-se porque as prioridades foram para outras áreas. Se o foco desde os anos 40 foi em produto, e depois cliente, é natural que Marketing, Vendas, Finanças tenham tido maior relevância. Há os que argumentam que o poder dessas áreas tem outra origem: resultados quantitativos; um bom argumento, mas essa visão premia a quem colhe os frutos e não leva em consideração quem os plantou; resultados são consequências. Essa nova revolução que proponho foca muito mais nas causas, naquilo que gera o resultado (colaborador é semente; cliente é árvore; lucro é fruto).
Aproveito para agradecer todos leitores pelos inúmeros comentários, sugestões, críticas construtivas que recebi sobre a primeira parte deste artigo. Nei Grando, por exemplo, acrescentou que devemos ter uma visão holística, o que concordo inteiramente. Então, todo o meu foco em Recursos Humanos nesses dois artigos não significa em absoluto que outras áreas da empresa não mereçam atenção. A idéia é que haja um equilíbro entre todas, mesmo havendo prioridades.
“SÍNDROME DE DANOS MORAIS ”
Eu sei que a legislação brasileira (e aqui nos EUA não é muito diferente) complica bastante meu cenário de foco maior nos colaboradores. Eu tenho um cliente que diz que parou de fazer surpresa de aniversário no seu departamento porque alguém foi à justiça for ter sofrido danos morais pela “exposição”, “humilhação” que passou. Para piorar a situaçao, ganhou a causa. Estou falando de uma das dez maiores empresas do Brasil, com quase 100.000 colaboradores. Algumas laranjas podres “infernizam” nossas lideranças e o medo “bloqueia” nossas ações. As empresas, com receio de processos que possam manchar suas marcas, acabam “punindo” todos. Justos (maioria esmagadora) pagam pelos injustos (minoria absoluta). Elas sabem que  qualquer deslize e a imprensa tem um ótimo motivo para por na primeira página o ocorrido. Nem vou entrar na questão do poder de disseminação das redes sociais. Como jornalista formado, lamento que noticias de milhares de festas surpresas de aniversário (sem humilhação) não ganhem tanta atenção. O mundo não é feito apenas de notícias trágicas; deixemos para os “urubus” a “carniça”. Somos humanos repletos de qualidades. A Psicologia Positiva, criada e desenvolvida por cientistas da Universidade da Pensilvânia e Harvard, e foco do meu mestrado e doutorado em andamento, cai como uma luva nesse contexto, onde buscamos focar mais nas potencialidades que fragilidades, em contraposição à psicologia tradicional que continua usando um “Long Play” riscado com essa pergunta: “quais são seus problemas, sua fraquezas?”. “LP” é passado. A música tocada pela Psicologia Positiva é bem mais interessante, garanto.
Estamos repetindo o que se passa na nossa infância. Quando numa escola temos 1000 alunos e uma “laranjinha podre” apronta, o que acontece? O diretor decide que ninguém mais vai ter recreio. Ou seja, 999 “inocentes” pagam o preço. Quando não se sabe quem é o ‘pestinha” até se entende esse tipo de decisão, mas em 95% dos casos, o professor, o diretor, a sala inteira sabe. Então, que a correção (não necessariamente punição) seja dada à pessoa certa. Isso valorizará o bem. Nas empresas, essas atitudes acabam com uma equipe, acabam com qualquer sensação de justiça. Tenho exemplos de diretores comerciais que tem 10 gerentes e porque um faz algo errado, ele ou ela pune, também, os 9 gerentes brilhantes. “Helloooooooooooooooo???” Nossa sociedade está criando as regras baseadas nas exceções. E o pior? As exceções não são os bons exemplos. Por que fazemos isso? Se Platão estivesse vivo, cometeria suicídio por estar vivendo, mais de dois milênios depois, nas cavernas, na escuridão (ignorância). Será que vamos ter de esperar mais dois milênios para sair em busca da luz (sabedoria)? Por favor, “incluam-me fora” dessa ideia.
LÍDERES LIDERAM LÍDERES
Nas empresas por onde passei, eu mantinha um arquivo com todas as potencialidades dos colaboradores. Consegui isso através de pura observação nas funções diárias e convivência fora do escritório, seja através de almoço ou alguma ocasião social. Ao escutá-los, aprendia a ser líder. No fundo, no fundo, líderes lideram líderes. Com viagens constantes, eu dava carta branca para decisões durante minha ausência. A única condição para esse posicionamento era do aprendizado, no caso de erro. Vamos evoluir décadas em anos, séculos em décadas, com essas atitudes. Você permite erros na sua empresa? Lógico que sabemos de limites, mas existe uma grande diferença entre cometer um erro e levar a empresa à falência. Quando falo de riscos, não falo de decisões inconsequentes. Não tenho problema algum em calculá-los. Mas a intransigência a erros é tamanha que um passo já signifca precipício. Vou mais a fundo. Essa atitude está “matando” o processo de criatividade. Ao saber que, ao errar, somos severamente punidos e ainda prejudicamos outros, adotamos a política do parasita. Reflita: quantas vezes você, por medo, abortou a decolagem de um belo projeto? Quantas vezes você quis levantar voo, mas ao olhar para a torre de controle (seu lider) você sabia que não poderia errar? Pergunte a um piloto qual é a sensação de estar na pista, acelerar para uma suave decolagem, mas ter de frear quase no final da pista. É como ficar rastejante quando você tem asas. Eis o que chamo de “aborto corporativo”. Precisamos, muitas vezes, errar para acertar. Não precisam acreditar em mim, pois Thomas Edison tem mais credibilidade com sua experiência da “lâmpada”.  Quantas vezes eu não fui íntegro ao mentir na minha carreira por medo de errar? Quantas vezes eu não fui honesto comigo mesmo e não tomei uma decisão por medo de errar? Quantas vezes eu não fui leal com meu cliente por ter mentido, mesmo que um pouco, sobre o que eu estava vendendo? Eu adoraria ter falado que aquela reunião semanal de uma hora (durou duas) era 5% produtiva e 95% bla-bla-bla. Você já viu esse filme? Então, as cartilhas de missão, visão e valores (integridade, caráter, honestidade, lealdade…) são válidas e devem ser seguidas, cumpridas, mas sei que em alguns momentos de minha carreira errei em várias áreas. Humanos são falíveis (afinal, diz o ditado: “errar é humano”), mas na hora que provamos essa lei natural, passamos a ser cobrados como infalíveis, como gênios, como perfeitos. Os técnicos de futebol sabem do que falo. Ganham dez, vinte jogos, e, na primeira derrota, “urubus” começam a rondar os estádios; na segunda derrota, a comunicação de massa levanta a bola publicamente, e o triste gol anunciado acaba acontecendo; se fazem isso com nomes como Murici, Luxemburgo, Felipão, imaginem o que não fazem com pobres mortais; o talento dos nomes mencionados não deveria ser questionado pelo histórico; eu fico abismado como o fanatismo, o lado emocional humano, pode ser tão desequilibrado. Os gritos dos torcedores escondem o silencioso telefonema entre os patrocinadores e o presidente do clube. Pedra, ferro e fogo nem sempre é uma boa mistura. Em geral, existe corresponsabilidade de líderes e liderados. Ao reconhecer meus limites, jogo-me ao aprendizado infinito. É feio errar, mas é bonito aprender. É ruim ser falível, mas é lindo e digno buscar a infalibilidade. É triste não dar outras chances. A cultura do medo não é salutar. Falta equilíbrio. Ninguém pode ser produtivo e medroso ao mesmo tempo.
PATRIMÔNIO INSUBSTITUÍVEL
Generalizando, o mundo corporativo usa um discurso contraditório pregado nas paredes: “meu colaborador é meu principal patrimônio”. Lindo não? Pois bem, a hipocrisia reside em outro discurso: “ninguém é insubstituível”.  Você substitui seu patrimônio? Do ponto de vista da Psicologia Positiva, as pessoas, os patrimônios são, sim, insubstituíveis, mas isso fica para outro artigo polêmico. Como pessoa, como empresário, como psicoterapeuta, acredito no ser humano. Para cada fraqueza que temos, sempre temos nove potencialidades escondidas pela poeira da ignorância. Que não transformemos erros em tragédias; como diz um amigo, que o holofote egocêntrico das corporações não ofusque a luz dos colaboradores; luz nunca é demais; escuridão sempre é demais. Lembro-me que uma vez quis promover um colaborador de minha área e, ao indicá-la ao meu lider, ele respondeu: mas você vai me entregar o seu melhor colaborador? Resposta de Claudemir: E você queria o quê?”. Eu sempre torci e torço pelo brilho de meus colaboradores e nunca tive medo de perdê-los. Sempre disse que se encontrassem algo mais interessante fora, que oferecesse melhores oportunidades, melhores benefícios, seria o primeiro a parabenizá-los; quem não tem competência de deixar um colaborador brilhar, que ele brilhe na concorrência. Regra de ouro: faça para os outros o que gosta que façam para você. Nunca entendi porque na hora de preencher um cargo importante, em geral, dão o filé-mignon para alguém de fora e o colaborador fica roendo e lambendo o osso. E quando decidem pelo colaborador interno, em geral, o filé-mignon é de qualidade inferior. Aqui reside outra forma da desvalorização do seu patrimônio humano, o colaborador. As empresas que não gostarem desse meu comentário, provavelmente tem um argumento: “a qualificação do candidado interno era inferior ao externo”; um excelente argumento, pois jamais defenderia a contratação interna sem as devidas competências para o cargo. Mas será que uma empresa que não tem competência para formar novos líderes, não tem competência para promover um interno com o mesmo filé-mignon, está no caminho certo? Pelo meu tom, você já sabe minha resposta.
COLABORADOR-CLIENTE-LUCRO (SEMENTE-ÁRVORE-FRUTO)
A complexidade de uma grande organização tem seus desafios. Generalizando, os acionistas  pensam mais ou menos assim: lucro-empresa-cliente-colaborador. A visão da empresa é assim: lucro-acionista-cliente-colaborador. É a natureza do negócio. Por que você acha que damos o nome de Sociedade Anônima? Colaboradores saíram do “patrão” antigo, ou seja, o pai, uma ideia familiar, para serem “órfãos anônimos”.  A chance de uma mudança está em o CEO “adotá-los”. Ele é a única ponte entre o colaborador e o acionista. A distância é astronômica e o meio termo pode ser um grande avanço. Minha visão ousada é: colaborador-cliente-lucro; eu imagino o seu susto ao ver que coloquei “lucro” no final. Claudemir, você está louco? Volto a repetir o meu conceito visual: semente é colaborador; árvore é cliente; fruto é lucro; em nenhum momento eu afirmo não pensar no cliente ou no lucro. Meu pensamento analisa o mercado sobre o ponto de vista de causas e consequências. Se você não pode ter frutos antes de as sementes serem plantadas, antes de as árvores crescerem, você não pode ter lucro se não tiver excelentes colaboradores e clientes fidelizados. A missão está na semente; a estratégia está na árvore; a visão está no fruto. A missão está no colaborador; a estratégia está no cliente; a visão está no lucro. Os valores estão em como vamos tratar esta “trilogia”. Devido à complexidade das gigantes, diria que essa revolução vai começar pelas pequenas e médias empresas. Um beija-flor é mais ágil que um elefante.
Um outro ponto que gosto de deixar claro é que meu gosto por colaborador não deve passar a ideia equivocada que defendo algum conceito de “empresa comunista”. Sou a favor de grande concorrência, sistema bem competitivo onde haja diferenças salariais baseadas em competências, distribuição de lucros baseada em desempenho e por aí vai. Falo em reter talentos e mandar embora incompetentes, mas tudo sob um ângulo mais humano, baseado em Psicologia Positiva. Outro fator muito importante é que, nestes dois artigos, usei palavras diferentes para falar de um mesmo assunto. A semântica complica textos polêmicos. Dou um exemplo. Quando falei no artigo passado que Peter Drucker via o colaborador como “custo”, eu vejo como “investimento”. Um diretor financeiro deve abominar minha palavra. A mesma coisa vista sob ângulos diferentes; deve-se, também, sempre levar em consideração “quando”, “onde” “por que” algo foi dito. Nesse caso específico, são fases distintas. Dito isto, e com todo o respeito a um homem que transformou a forma de administração, insisto que a visão de que a forma de administração é de fora (cliente) para dentro pode e deve ser questionada, mesmo que seja por um David sem tantas pedras (eu) e Golias (Drucker). Agradeço a consultora Beatriz Machado que, inteligentemente, me fez refletir e me inspirou a acrescentar esse parágrafo.
GENTE TRANSFORMANDO GENTE
O maior desafio dessa revolução é encontrar profissionais de Recursos Humanos preparados pela vida e por escolas que modifiquem seus currículos (incluindo um módulo Psicologia Positiva) para atender a essa nova realidade. Recursos Humanos precisa, apesar de ser difícil, encontrar formas mais “quantitativas” de mostrar seu trabalho, pois essa linguagem é melhor apresentada por outras áreas. O mais importante, no entanto, é que precisamos que o topo da pirâmide entenda de pessoas. Sem o apoio desses líderes, continuaremos “desafinados”. A empresa é uma orquestra. Maestro sozinho, músicos sozinhos não fazem sinfonia. Sinfonia é uma questão de sincronia e sintonia.  Líderes que deixam colaboradores carregarem pianos sozinhos são incompetentes. Que música sua empresa toca? Eis meu lema para a liderança do futuro: somente gente que entende de gente pode transformar gente (talvez aqui, eu responda a pergunta do primeiro parágrafo sobre a mulher. A inteligência emocional delas será o grande diferencial no novo contexto).
Termino, tomando a liberdade de falar diretamente com você, leitor. Imagine que neste exato momento eu estou aí na sua frente. Receba, pessoalmente, minha gratidão pelo seu tempo, tão precioso nos dias de hoje; como não ser grato quando você me escolheu no meio de milhões de textos, Facebook, Twitter, Orkut e tantos outros? Saiba que eu também o escolhi, por isso estou aqui; fico fascinado em aprender com você que, de forma construtiva, corretiva, ao longo dos anos, se transformou em coautor de minha própria história; o meu melhor texto é sempre o próximo. Sabe por que? Porque vem com sua assinatura, com sua marca; saiba que escrever um novo artigo é como entrar em uma floresta desconhecida, correr riscos, mas com a visão de encontrar novos caminhos, novos horizontes, o elo perdido. As palavras são milhões de folhas que voam do alto, flutuam bailando e pousam suavemente num tapete verde selvagem. Uma palavra, uma frase impecável num texto é como uma pérola, um diamante. Um artigo, um livro, quando bem feito, é um tesouro. Somos caçadores em busca de tesouros no elo perdido; para encontrá-los, uso seus comentários como “GPS”; são eles que abrem caminho para minha busca incessante de um novo destino; são eles que me indicam se existem “folhas venenosas” pelo caminho e, ainda, mostram que não é a última machadada que derruba uma árvore; por isso, minhas descobertas são nossas descobertas; que possamos, juntos, usufruir dos lagos, bosques, cachoeiras, pássaros, frutas e de paradisíacas ilhas que encontraremos entre parágrafos, vírgulas, pontos de interrogação, pontos de exclamação, mas nunca em pontos finais. Mesmo quando você não me escreve, saiba que sua mensagem chega da mesma forma; você é ouro transcendental; muito obrigado e nos vemos nas próximas ilhas!
* Presidente do Seeds of Dreams Institute, na Flórida (EUA), instituto focado na Psicologia Positiva aplicada às pessoas e às corporações. Jornalista com mestrado e doutorando (EUA) em Psicologia, tem mais de 20 anos de experiência em empresas como American Airlines, United Airlines e Walt Disney Parks & Resorts, onde liderou estratégias de treinamento global e foi professor da Disney University. Vive em Orlando e é membro vitalício da Harvard Medical School Postgraduate Association. Contato: claudemir@seedsofdreams.org

Fonte: 
http://www.inteligemcia.com.br/32923/2011/05/23/recursos-humanos-terceira-revolucao-corporativa-parte-2/

Recursos Humanos: Terceira revolução corporativa ? (Parte 1)


Por Claudemir Oliveira*
Sempre serei repetitivo com minha paixão por colaboradores, buscando suas potencialidades, foco da Psicologia Positiva;  cuidar bem deles é como criar oásis. Já falei em artigos e palestras que “demiti” o cliente da posição de rei há muito tempo. Sei que essa ótica vai contra princípios das melhores universidades do mundo que, nas últimas décadas, seguiram e seguem gurus e papas do marketing que adoravam e adoram letras: copiaram os 4 Ps, mudaram para  4Cs, inventaram 4Es, entre outras, e quase todos entregaram o reinado ao produto e ao cliente, relegando o colaborador a um mero papel dentro do castelo. Não tenho nada contra letras, até acho que são formas de simplificar conceitos. Mas dizer que um colaborador deve ser visto como custo é uma visão ultrapassada, mesmo que venha do papa Peter Drucker.
Pensar quase sempre no cliente, para mim, é como, numa guerra, focar mais no inimigo (aquele que está fora) e não amar e “armar” seus soldados (aqueles que estão dentro) com suas potencialidades. Em geral, uma guerra é ganha muito antes da entrada no campo de batalha. Sun Tzu, há séculos, compartilha essa sabedoria. Por que será que não aprendemos?
Evolução do Marketing
Graças aos gurus do marketing e seu foco no produto e no cliente, colaboradores não foram (são) convidados para a festa e foram (são) barrados no baile. Sim, falam de “endomarketing”, falam de “recursos humanos” e, ontem, aqui nos Estados Unidos, ouvi falar de um departamento de “meaning” (significado). Tudo lindo, mas, na prática, fomos educados por esses papas, pelas grandes escolas e, como consequência, pelas empresas, a pensar em quem está do lado de fora, o cliente. Meu grande apego a colaboradores não quer dizer que odeio cliente ou produto. Minha paixão por Recursos Humanos não significa que não goste de outras áreas, até porque eu sempre trabalhei em operações, vendas, marketing e treinamento. Foram essas organizações, American, United e Disney, que me deram tanto aprendizado. Estou falando de prioridade.
Colaborador para mim é causa; cliente é consequência. Colaborador é semente; cliente é árvore; lucro é fruto. Eu preciso dos três e nessa ordem. Recursos Humanos deve ser o departamento responsável pela escolha da semente, escolha do terreno e, muito importante, deve regar suas “plantinhas” todos os dias. É esse departamento que deve criar as condições para que as sementes germinem. Eu “abomino” o conceito pobre de “departamento pessoal”. É esse  nome, mais a visão de líderes, que faz a área perder seu prestígio e acabar virando um local de bater cartão, fazer holerite, fazer testes arcaicos, arquivar fraquezas (departamento policial) e nunca potencialidades de pessoas brilhantes (recursos humanos).
Foco no Produto
Permita-me falar um pouco como chegamos aqui. Em 1948, James Culliton definiu a posição de gerente de marketing como sendo um “misturador de ingredientes”.  Neil Hordon, em 1953, em discurso na Associação Americana de Marketing, usou o termo “marketing mix” (produto, planejamento, marca, canal de distribuição, vendas, propaganda, promoção, embalagem, serviços, manuseamento físico, pesquisa e análise). Finalmente, em 1960, E. Jerome McCarthy o transformou nos famosos 4Ps (Produto, Preço, Praça (Distribuição) e Promoção), conhecidos mundialmente até hoje. No entanto, foi Philip Kotler quem mais usou esse termo em aulas, artigos. livros e palestras. Foi ele quem popularizou o termo. Foi uma fase onde o rei era o produto.
Foco no Cliente
Em 1993, o professor Robert Lauterborn criou um novo conceito dizendo que o centro do marketing deveria ser o cliente e não o produto. Então, foi criado os 4Cs: Produto vira Cliente; Preço vira Custo; Praça vira Conveniência e Promoção vira Comunicação. Outros autores tentaram mudar esses conceitos dizendo que deveríamos trabalhar mais o “branding”, ou seja, muitas novidades nas últimas décadas. Todas contribuiram para chegarmos aqui, mas quase nenhuma delas envolveu a palavra “colaborador”, “pessoas” de forma instigante. No Brasil, Franscisco Madia melhorou os conceitos e ainda incluiu a palavra “People”. Augusto Nascimento, junto com Lauterborn, também falam dos “4Es de Marketing e Branding” que envolve “entusiasmar funcionários”; aí, pesquisando um pouquinho mais, descobri que um executivo da Ogilvy Public Relations, Christopher Graves, também criou outro 4Es: Experience (experiência), Every Place (todo lugar), Exchange (troca), Evangelism (evangelismo); bom, a lista é enorme e, por espaço, vou me concentrar apenas nesses citados. Quem sabe eu não escreva no futuro os 4Ps de Recursos Humanos (Pessoas, Pessoas, Pessoas, Pessoas).
Colaborador é custo?
Quando se fala em foco a cliente, não posso deixar passar em branco essa frase de Peter Drucker, dos anos 60: “o sucesso de uma empresa é determinado pelo lado de fora dela, dentro dela só há custos. O cliente, que está do lado de fora da empresa, é quem de fato define qual o negócio de uma empresa e não suas decisões internas”. A frase que faz meu coração palpitar em desespero é “…dentro dela, só há custos…”. Acho que vou ter um ataque cardíaco.
Socorro, leitor! Eu só perdoo meu admirado Peter Drucker pelo contexto da década de 60. Como diz o filósofo espanhol Ortega y Gasset “eu sou eu e minhas circunstâncias”. Nem com minha Psicologia Positiva, consegui enxergar algo de bom na frase. O mesmo Drucker disse que “a razão de um negócio é criar um cliente”. Theodore Levitt, um outro guru, melhorou um pouco o conceito, dizendo que “conquistar um cliente é fácil; o difícil é mantê-lo”.
Decidi escrever este artigo em duas partes. Na próxima publicação, falarei um pouco dos desafios que encontramos quando somos apaixonados pelos colaboradores. Por exemplo, um grande empecilho é a legislação brasileira que, em geral, sai em defesa de alguns incompetentes que acham que tudo é relacionado a “danos morais”. Falarei também sobre os motivos que farão as empresas de pequeno e médio porte sairem na frente nessa nova revolução corporativa.
Termino, sempre, com respeito aos meus leitores. Se sua empresa tem uma visão voltada a colaboradores, parabéns por estar nas exceções. Um artigo polêmico como esse deixa sempre lacunas, por questão de espaço, generalizações e também por ignorância deste que escreve. Portanto, nunca escrevo textos fechados porque assim me abro para conhecimentos inimagináveis.  O que sei é um átomo perto do que posso aprender com comentários e críticas construtivas. Tenho perguntas para tudo e resposta para quase nada. Se fosse dono da verdade, não colocaria um ponto de interrogação no título deste artigo. Obrigado por sua leitura, boa reflexão e não perca a
continuação deste tema fascinante!
* Presidente do Seeds of Dreams Institute, na Flórida (EUA), instituto focado na Psicologia Positiva aplicada às pessoas e às corporações. Jornalista com mestrado e doutorando (EUA) em Psicologia, tem mais de 20 anos de experiência em empresas como American Airlines, United Airlines e Walt Disney Parks & Resorts, onde liderou estratégias de treinamento global e foi professor da Disney University. Vive em Orlando e é membro vitalício da Harvard Medical School Postgraduate Association. Contato: www.seedsofdreams.org

Fonte: 
http://www.inteligemcia.com.br/31427/2011/05/13/recursos-humanos-a-terceira-revolucao-corporativa-parte-1/

Resenha Pessoal do Curso: "De Vendedor para Gerente de Clientes" com Ricardo Jordão - Parte 1


Por: José Pacheco - 22/06/2012

Achei a proposta é bem legal e trabalhosa. Acho que vale a pena experimentar muita coisa que vi.

No meu entendimento, o conteúdo se aplica principalmente para as ações de vendas ativas: em lugar de ser vendedor ser líder de clientes.

O palestrante iniciou o encontro propondo que os participantes tentassem vender um lápis para a platéia.

Todos fizeram argumentações sobre as vantagens do lápis: sobre outras formas de escrever, enumeraram as vantagens gerais e curiosidades relacionadas ao produto e tentavam argumentar na discussão com a platéia sobre as objeções ao produto, ou ainda tentaram ganhar a simpatia dos ouvintes contando histórias simpáticas ou engraçadas sobre si mesmos.

Depois de esculhambar com as apresentações feitas ("tudo lixo", segundo o palestrante), a primeira lição que o Ricardo queria deixar registrada era: Fale apenas para QUEM PRECISA do produto.

Como? Antes de começar a "tagarelar", Deve-se fazer uma triagem e conhecer quem realmente precisa de um lápiz, por exemplo: quem tem filho em idade escolar. Depois, procurar oferecer soluções bacanas e inovadoras para esse público selecionado.

Na simulação ele propôs a assinatura de um serviço que forneceria por 6 meses um lápiz temático (e um livro infantil) a cada 45 dias para o filho do cliente e justificou a vantagem do serviço dizendo que isso faria com que o cliente deixasse de ir à papelaria para comprar o produto, otimizando seu tempo e evitando  despesas extras com possíveis compras por impulso.

Resumindo o primeiro ponto e o que em MINHA OPINIÃO permeou todo o treinamento: "O que vende é a palavra".

Logo, se eu preciso aprender a argumentar e conquistar pela palavra, o caminho é treinar, treinar e treinar.

Uma idéia é dedicar, por exemplo,  20 minutos daquela reunião semanal de vendas, para o time treinar: simular e discutir argumentos às situações que podem ocorrer num contexto de negociação e vendas.

Segundo Jordão, os métodos tradicionais de vendas estão falidos: Tudo que geralmente se conhece sobre vendas tem mais de 100 anos de idade e pode ser jogado fora. Por exemplo: a venda com speech veio junto com a era industrial, o conceito de estratégia de vendas veio com a Segunda Guerra Mundial e o "vendedor consultor" foi inventado na década de 1960. Tudo velharia.

A propósito, apesar de defendida, a abordagem de venda consultiva não funciona com as pessoas-chave (top); elas não tem tempo a perder contando para você quais são as necessidades da empresa. Isso é algo que se pode conseguir na base, com subordinados ou por meio de pesquisas; não com quem ter poder de decisão e precisa de soluções.

É uma abordagem fraca perder meu tempo falando de mim mesmo ou da minha empresa, do que ela faz, etc. Quem quiser saber disso, tem que encontrar essa informação no site. Melhor investir meu valioso tempo em pesquisas e propostas para resolver os problemas dos meus clientes (inclusive aqueles que ele ainda não percebeu que tem).

Quando eu chegar ao "top", devo ter condições de apresentar um problema e uma solução para ele. Ser direto e consistente.

É preciso pensar em uma visita ao cliente como a oportunidade de conhecer mais gente que decide e que pode te ajudar a vender soluções a médio prazo. Esse é o foco; nada de tentar vender com pressa e queimar-se com o cliente.

Não acaba aqui... aguarde a continuação...

sábado, 2 de junho de 2012

Suicídio de jovem forçada a casar com estuprador causa protestos



Lei no Marrocos permite que estuprador escape da prisão se se casar com vítima

15 de março de 2012 | 10h 48
RABAT - Ativistas marroquinos intensificaram a pressão para derrubar a lei que permite que estupradores casem com suas vitimas depois que uma menina de 16 anos de idade cometeu suicídio.
Cartaz feito por ONG para campanha contra casamento de menores de idade no Marrocos - Marta Miera/Efe
Marta Miera/Efe
Cartaz feito por ONG para campanha contra casamento de menores de idade no Marrocos
Amina Al Filali usou veneno de rato para tirar a própria vida após ficar casada por cinco meses com o homem que a violentou e que, desde a união permanente, a agredia fisicamente.
Uma petição online e uma manifestação prevista para este sábado tratam da lei como "constrangedora" para o país.
Os ativistas querem a suspensão do Artigo 475 da lei local que permite que estupradores escapem da prisão se eles aceitarem "restaurar as virtudes" da vítima - ou seja, se se casarem com ela. 
Estuprada aos 15 anos, Amina foi obrigada a se casar com seu estuprador com apoio de um juiz. Pela lei do Marrocos, o crime de estupro é punido com 10 anos de prisão, chegando a 20 se a vítima for menor de idade.
"O artigo 475 é constrangedor para a imagem internacional de modernidade e democracia no Marrocos", disse à BBC Fouzia Assouli, presidente da Liga Democrática do Marrocos para os Direitos da Mulher
"No Marrocos, a lei protege a moralidade pública, mas não o indivíduo", acrescentou Assouli. Ela afirma ainda que legislação proibindo todas as formas de violência contra as mulheres, incluindo estupro dentro do casamento, está para ser implementada desde 2006.
Deserdada 
A jornalista da BBC em Rabat, Nora Fakim, diz que em partes conservadoras do Marrocos é inaceitável para uma mulher perder a virgindade antes do casamento - e a desonra é dela e de sua família, mesmo que ela seja vitima de estupro.
Amina veio da pequena cidade de Larache, perto de Tânger, ao Norte do país. A idade legal do casamento em Marrocos é de 18 anos, salvo se houver "circunstâncias especiais" - que é a razão pela qual Amina era casada, apesar de ser menor de idade.
A imprensa local diz que a menina queixou-se a sua família sobre maus tratos, mas acabou deserdada, o que teria provocado o suicídio.
Testemunhas afirmam que o marido ficou tão indignado quando Amina tomou o veneno que a arrastou pelos cabelos pela rua - e ela morreu pouco depois. Ativistas estão pedindo que o juiz que permitiu o casamento e o estuprador sejam presos.
Estudo governamental realizado no último ano dá conta de que cerca de um quarto das marroquinas sofreram ataques de ordem sexual ao menos uma vez durante suas vidas.
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O que é BAWB Global Forum



A gestão inovadora como resposta ao desafios da sustentabilidade
O BAWB-Global Forum America Latina (BAWB-GFAL) é uma iniciativa internacional cujo principal objetivo é repensar o papel da sociedade, das empresas, da academia e do poder público enquanto atores fundamentais para o bem-estar e o desenvolvimento sustentável das comunidades em que se inserem. Para tanto, promove espaços de dialogo sobre estratégias sustentáveis em diferentes âmbitos, procura identificar ações inovadoras, que contribuam para a preservação da vida humana em nosso planeta. A conferência será realizada de forma digital e dará continuidade a interação e diálogo sobre aspectos relevantes de gestão para o mundo empresarial, acadêmico e para a sociedade como um todo, repensando o papel dos negócios enquanto protagonistas fundamentais para o bem estar e o desenvolvimento sustentável, trazendo alternativas para a realidade que se nos apresenta através de práticas bem sucedidas. Com esse foco, e fazendo relação com a Educação na Sustentabilidade, Sociedade Inovadora e Design-Thinking, a pergunta que conduz o BAWB GFAL 2011 coloca em questão os modelos vigentes de gestão tendo em vista os imperativos do desenvolvimento sustentável.

Nascimento do BAWB-GFAL

No ano 2000, o então Secretário Geral das Nações Unidas, Kofi Annan, convocou  empresários de todo o mundo para formular o Plano de Desenvolvimento do Pacto Global, se criava assim o BAWB.
No ano de 2006, dando sequência  a convocação de Kofi Annan a CWRU-Case Western Reserve University, em Clevland em parceria com Academy of Management organizam o primeiro BAWB-Global Forum, convocando além dos empresários como também acadêmicos de diversas partes do mundo para repensarem as estratégias de educação executiva e a revisar o sistema de educação superior de gestão de negócios.  
Como um desdobramento da iniciativa de 2006 em Cleveland ocorre a regionalização em América Latina. A FIEP- Federação de Indústrias do Paraná, o SESI- Serviço Social da Indústria,  por meio de sua universidade corporativa a UNINDUS- Universidade da Indústria, assume a responsabilidade para realização dos eventos regionais.
Em 2008, se realiza o I BAWB-GFAL, em Curitiba, em parceria com a CWRU e o CES- Centro de Estudos em Sustentabilidade da EAESP- Escola de Adminstração de Empresas de São Paulo e FGV- Fundação Getulio Vargas.

Objetivos
O propósito da chamada para a ação do BAWB-Global Forum é elaborar ações inovadoras em prol de uma Sociedade Sustentável na America Latina.
Por meio do pensamento cooperativo e ações compartilhadas entre os diferentes setores sociais, o BAWB-GFAL tem como principais objetivos:
  • Contribuir para o fortalecimento das relações entre o mundo empresarial e acadêmico, de modo a torná-los parceiros permanentes na produção, utilização e divulgação do conhecimento.
  • Compartilhar conhecimentos empresariais e os mais recentes estudos científicos sobre o desenvolvimento sustentável e inovação, bem como as decorrentes exigências de educação frente às mudanças e ao desenvolvimento.
  • Identificar as boas práticas empresariais, gerando propostas para a inovação e mudanças na educação.  

A metodologia do BAWB-GFAL

A Investigação Apreciativa (IA) é a metodologia aplicada nos encontros de conversação do BAWB-Global Forum America Latina. Esse método foi escolhido pois utiliza uma abordagem construtiva para a mudança e o desenvolvimento organizacional, se apresentando como uma forma de tornar a organização melhor com base no que ela já tem de bom. Ou seja, a partir do que queremos conservar é que conseguiremos chegar a ser o que queremos para o futuro.

A IA foi criada nos Estados Unidos pelos professores David Cooperrider e Ronald Fry, da Case Western Reserve. É utilizada nos encontros de conversação do Global Forum, orientando os grupos na organização de seus processos criativos e no planejamento de suas ações transformadoras da sociedade.
Muitas organizações se consideram um problema a ser resolvido. As pessoas fazem reuniões para elaborar uma lista dos problemas e a partir daí procuram as causas desses problemas para elaborar soluções. Na Investigação Apreciativa o foco não é o problema, mas a construção de um futuro desejado com base nas forças existentes. A organização deixa se ser percebida como um problema a ser resolvido e passa a ser a própria solução, como um mistério a ser desvendado.
A aplicação do processo acontece em 4 fases:

DESCOBERTA: fase em que a organização aprecia o que tem de melhor. Exemplos: liderança, relacionamentos, tecnologia, métodos de planejamento, etc. Nesta fase, as pessoas compartilham histórias de sucesso, percebendo a história organizacional como uma possibilidade positiva.
SONHO: envolve desafiar o status quo, criando visão dos resultados que o mundo está querendo. 
PLANEJAMENTO: a criação da arquitetura social e tecnológica da organização. Tanto a fase de sonho quanto a de planejamento envolvem a construção coletiva de imagens positivas de futuro. Um aspecto que diferencia a Investigação Apreciativa das outras metodologias de planejamento é que as imagens de futuro emergem de exemplos positivos ocorridos no passado. Essas imagens se tornam possíveis porque estão baseadas em momentos extraordinários da vida organizacional.
DESTINO: nela, as imagens positivas de futuro são sustentadas. É um tempo de aprendizado contínuo, ajustamento e improvisação - tudo a serviço dos ideais compartilhados. É o momento de construir o "olhar apreciativo" na organização em todos os seus sistemas, procedimentos e métodos de trabalho.
A IA, criada nos Estados Unidos pelo Dr. David Cooperrider, é baseada em cinco princípios.   
  • Princípio Construtivista
As organizações são percebidas como construções humanas. Construímos nossas realidades baseadas na nossa experiência prévia, e portanto, nosso conhecimento e o destino da organização estão interligados.
  •  Princípio da Simultaneidade
A pergunta e a mudança acontecem simultaneamente. Quando se faz uma pergunta a alguém, a pessoa que recebe a pergunta sofre uma alteração de comportamento. A pergunta apreciativa favorece a auto-estima de outra pessoa. As perguntas que fazemos são parte do processo de mudança.
  •  Princípio Poético
Assim como uma obra de arte pode ter inúmeras interpretações, as organizações humanas podem ser vistas como livros abertos em que as pessoas são co-autoras. Passados, presentes e futuros podem ter inúmeras interpretações e podemos encontrar o que desejamos nas organizações.
  •  Princípio da Antecipação
As organizações, assim como as pessoas, caminham para onde se questionam (sonhos-imagens). O mais importante recurso que se tem para construir a mudança organizacional é a imaginação coletiva e o discurso a respeito do futuro. Um dos teoremas básicos da visão antecipada da vida organizacional é que esta imagem de futuro é o que de fato guia o comportamento de cada organismo ou organização.
  • Princípio Positivo
A abordagem positiva tem o poder de agregar, de realimentar. Quanto mais positivas são as questões a serem feitas, mais efetivo é o esforço de mudança. A abordagem positiva tem o poder de agregar, de realimentar. Quanto mais positivas são as questões a serem feitas, mais efetivo é o esforço de mudança.

Época de transformação social

Vivemos em uma época de transformação, por um lado temos uma tecnologia que não mais corresponde aos padrões de uma economia e estilo de vida sustentável. Assim também os modelos de negócio em uso encontram crescente dificuldade para serem aceitos como legítimos perante uma sociedade mais crítica e mais atenta, interconectada na ação pelas redes sociais e comunidades virtuais.
Por outro, começam a aflorar estilos de vida mais conscientes do custo ambiental e social destes modelos e demandam por produtos e serviços que se valem de tecnologias limpas e mais eficientes. Empresas atentas a estas tendências procuram inovar e transformar seus modelos de negócio para garantir eficiência ao mesmo tempo em que constroem uma marca responsável, gerando novos valores a seus negócios. A transparência em relação às atividades organizacionais passa a ser vista como do interesse de diferentes públicos, incluindo o mercado, trabalhadores, organizações não-governamentais, investidores e pesquisadores. Cresce a consciência de que o desenvolvimento dos negócios não pode estar desconectado do desenvolvimento social e econômico dos países.
O que se busca é chegar a um desenvolvimento sustentável. O maior desafio é a exigência de escolhas inovadoras e novas formas de pensar. Novos conhecimentos e inovações em tecnologia, em gestão e em políticas públicas cada vez mais desafiam as organizações a fazer novas escolhas em relação ao impacto de suas operações, produtos, serviços e atividades sobre as economias, as pessoas e o planeta. A sustentabilidade passa a se constituir em requisito padrão e é incorporada na estratégia das organizações. Neste sentido, o próprio papel das empresas como organizações exclusivamente econômicas é colocado em debate, destacando seu potencial como forças capazes de gerar soluções positivas para os desafios sociais. 
Este contexto traz fenômenos que não encontram abrigo adequado nos modelos de gestão e na forma como se organizam os negócios. Novas competências são necessárias para lidar com a complexidade, a conectividade e a constante mudança dos valores, preferências e artefatos humanos. Desta forma, esta discussão se estende ao tipo e forma de educação a ser concebida e adotada pelas novas gerações, em especial nas escolas de negócios.
A educação com foco em um modelo predominantemente analítico exclui dimensões naturais e essenciais na criação humana que se mostram vitais para o entendimento dos requisitos da sustentabilidade e para o desenho de novas soluções. A reintrodução da intuição e da emoção como dimensões necessárias e intrínsecas à formação integral humana estão no cerne deste questionamento. A premência por inovação não só nos produtos e serviços consumidos, mas no próprio estilo de vida e na ocupação espacial e a infra-estrutura requerida e, portanto, na forma como a sociedade e o estado se organizam, pede por um exame dos valores e da cultura que, ao mesmo tempo em que é geradora, também é depositária. Os fatores e processos sociais que fazem uma sociedade ser inovadora assim como geram as condições para a sua sustentabilidade devem ser re-examinados para informar a discussão em torno da educação e dos modelos de gestão.   
Este conjunto de questões não poderá ser atendido por setores isolados ou de forma independente. A própria noção de organização em rede, das redes sociais e formas abertas de organização e inovação, pedem por modelos mais eficazes de cooperação e colaboração. A necessidade de disseminação rápida e massiva de inovações e de busca de soluções impede a visão intramuros na criação e na implementação. A co-criação e a co-inovação em todas as esferas e instancias da ação humana pedem por formas inovadoras também no modo como a cooperação interinstitucional ou inter-atores pode se dar.  
A atividade que promove o nexo entre estes temas é identificado como gestão e os processos que o descrevem. É a gestão que constitui o processo que promove as escolhas, a aquisição e alocação e otimização de recursos, inclusos aí o esforço humano e os recursos físicos, priorizando valores e estabelecendo padrões para ação. Tendo esgotado os modelos ditos mecanicistas e burocráticos, o modelo de gestão ainda prevalente  mostra-se inadequado para coordenar os valores, a cultura e expectativas de um mundo novo que está se instalando  de modo inequívoco e sorrateiro.  Os temas a serem tratados neste encontro assinalam a forma e o potencial para contribuir na solução das questões sociais, econômicas e ambientais de forma inovadora a partir do movimento de uma gestão integrativa.
 O que se espera ao promover a confluência dos temas propostos nesta conferencia é o entendimento do seu significado e papel na evolução da gestão, rumo a um modelo mais integrativo e "responsivo" aos imperativos desta nova era que  emerge.   Neste sentido, o BAWB- Global Forum Latina America 2011 tem como proposta colocar estes e outros temas correlatos em destaque, reunindo instituições públicas, acadêmicas, empresas, pesquisadores, cientistas, atores civis e profissionais liberais para conhecer e compartilhar experiências, formas de fazer e casos práticos que ilustrem e inspirem para a inovação e a ação nos diferentes âmbitos em que atuam.
Marcos Mueller SchlemmCoordenador Geral do BAWB Global Forum America Latina




A imprensa que estupra - parte 1



ELIANE BRUM - 28/05/2012 10h07 - Atualizado em 29/05/2012 08h09


A repórter que condenou e humilhou um suspeito não é exceção. O episódio mostra a conivência histórica entre parte da imprensa, da polícia e do sistema penitenciário na violação dos direitos de presos pobres (ou presos e pobres)

ELIANE BRUM

Eliane Brum, jornalista, escritora e documentarista. Ganhou mais de 40 prêmios nacionais e internacionais de reportagem. É autora de um romance - Uma Duas (LeYa) - e de três livros de reportagem: Coluna Prestes – O Avesso da Lenda (Artes e Ofícios), A Vida Que Ninguém Vê (Arquipélago Editorial, Prêmio Jabuti 2007) e O Olho da Rua (Globo). E codiretora de dois documentários: Uma História Severina e Gretchen Filme Estrada. elianebrum@uol.com.br

@brumelianebrum (Foto: ÉPOCA)
– Não estuprou, mas queria estuprar! 
A frase foi dita pela repórter Mirella Cunha, no programa “Brasil Urgente”, da Band da Bahia, a um jovem de 18 anos, preso em uma delegacia desde 31 de março. Algemado, ele diz que arrancou o celular e a corrente de ouro de uma mulher, mas repete que não a estuprou. Na reportagem, a jornalista o chama de “estuprador”. Pergunta se a marca que ele tem no rosto é resultado de um tiro. Ele responde que foi espancado. A repórter não estranha que um homem detido, sob responsabilidade do Estado, tenha marcas de tortura. O suspeito diz que fará todos os exames necessários para que seja provado que ele não estuprou a mulher. Ele não sabe o nome do exame, não sabe o que é “corpo de delito” e pronuncia uma palavra inexistente. Ela debocha e repete a pergunta para expô-lo ao ridículo. Ele então pronuncia uma palavra semelhante à “próstata”. A jornalista o faz repetir várias vezes o nome do exame para que ela e os telespectadores possam rir. Depois, pergunta se ele gosta de fazer exame de próstata. No estúdio, o apresentador Uziel Bueno diz: “Tá chorando? Você não fez o exame de próstata. Senão, meu irmão, você ia chorar. É metido a estuprador, é? É metido a estuprador? É o seguinte. Nas horas vagas eu sou urologista...”.  
A chamada da reportagem era: “Chororô na delegacia: acusado de estupro alega inocência”. A certa altura, a jornalista olha para a câmera e diz ao apresentador, rindo:
– Depois, Uziel, você não quer que o vídeo vá pro YouTube...
Ela tinha razão: o vídeo foi postado no YouTube. A versão mais curta dele já foi vista por quase 1 milhão de pessoas. Aqui neste link, se quiser, você pode assistir a uma versão um pouco mais longa, de quase cinco minutos.
O vídeo foi divulgado nas redes sociais, na semana passada, com grande repercussão e forte pressão por providências. Um grupo de jornalistas fez uma carta aberta: “A reportagem de Mirella Cunha, no interior da 12ª Delegacia de Itapoã, e os comentários do apresentador Uziel Bueno, no estúdio da Band, afrontam o artigo 5º da Constituição Federal: ‘É assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral’. E não faz mal reafirmar que a República Federativa do Brasil tem entre seus fundamentos ‘a dignidade da pessoa humana’. Apesar do clima de barbárie num conjunto apodrecido de programas policialescos, na Bahia e no Brasil, os direitos constitucionais são aplicáveis, inclusive aos suspeitos de crimes tipificados pelo Código Penal”.
E, mais adiante: “É importante ressaltar que a responsabilidade dos abusos não é apenas dos repórteres, mas também dos produtores do programa, da direção da emissora e de seus anunciantes – e nesta última categoria se encontra o governo do Estado que, desta maneira, se torna patrocinador das arbitrariedades praticadas nestes programas”. Em 23/5, o Ministério Público Federal abriu representação contra a jornalista. Em nota, a Band afirmou que tomaria “todas as medidas disciplinares necessárias” e que “a postura da repórter fere o código de ética do jornalismo da emissora”.
Em visita ao suspeito, a Defensoria Pública assim o descreveu: “É réu primário, vive nas ruas desde criança, apesar de ter residência em Cajazeiras 11. Tem seis irmãos, é analfabeto e já vendeu doces e balas dentro de ônibus. Ao ser questionado sobre como se sentiu durante a entrevista, ele diz: ‘Eu me senti humilhado, porque ela ficou rindo de mim o tempo todo. Eu chorei porque sabia que eu iria pagar por algo que não fiz, e que minha mãe, meus parentes e amigos iriam me ver na TV como estuprador, e eu sou inocente’”.
A reportagem é um exemplo de mau jornalismo do começo ao fim. E, para completar, ainda presta um desserviço à saúde pública, ao reforçar todos os clichês e preconceitos relacionados ao exame de próstata. Por causa dessa mistura de ignorância e machismo, homens demais morrem de câncer de próstata no país. Os abusos cometidos pela repórter e pelo apresentador foram tantos, porém, que esse prejuízo passou quase despercebido. 

Por que vale a pena refletir sobre esse episódio? Primeiro, porque ele está longe de ser uma exceção. Se fosse, estaríamos vivendo em um país muito melhor. O microfone (e a caneta) tem sido usado no Brasil, assim como em outros países, também para cometer violências. Nestas imagens, se observarmos bem, a repórter manipula o microfone como uma arma. (Outras interpretações, vou reservar para os psicanalistas.)  
Muitos passam mal ao assistir ao vídeo porque o que se assiste é uma violência sem contato físico, sem marcas visíveis. Uma violação cometida com o microfone e uma câmera, exibida para milhões de pessoas, contra um homem algemado (e, portanto, indefeso), sob a responsabilidade do Estado, que, em vez de garantir os direitos do suspeito, o expõe à violência.  
O suspeito é humilhado por algo que deveria ser uma vergonha para o Estado e para todos nós: a péssima qualidade da educação. E, no caso dele, o analfabetismo de um jovem de 18 anos no ano de 2012, na “sexta economia do mundo”. Ao afirmar que o rapaz era um estuprador, a repórter colocou em risco também a vida do suspeito, já que todos sabem – e muitos toleram – o que acontece dentro das cadeias e prisões com quem comete um estupro. 
A repórter e o apresentador, porém, são apenas a parte mais visível da rede de violações. Estão longe de serem os únicos responsáveis. Para que esse caso se torne emblemático e para que a Justiça valha é preciso que todas as responsabilidades sejam apuradas, a começar pela do Estado. Tanto em permitir que alguém sob sua custódia fosse exibido dessa maneira, e possivelmente contra a sua vontade, numa rede de TV, quanto nas marcas de tortura no seu rosto. As marcas e o relato de espancamento, aliás, seriam objeto da apuração de qualquer bom jornalista. No caso, não suscitaram nenhuma surpresa. 
A imprensa que estupra - parte 2
Basta ligar a televisão para ter certeza de que nem essa jornalista, nem esse apresentador, nem essa rede de TV são os únicos a violar direitos previstos em lei, especialmente contra presos e contra favelados e moradores das periferias do Brasil. Especialmente, portanto, contra os mais frágeis e com menos acesso à Justiça. Vale a pena lembrar que o número de defensores públicos no Brasil é insuficiente – em São Paulo, por exemplo, segundo relatório feito pela Pastoral Carcerária Nacional e pelo Instituto Terra, Trabalho e Cidadania, há apenas 500 defensores públicos para prestar assistência jurídica à população carente. E quase 60 mil presos que nunca foram julgados. 
Como também sabemos, nenhum jornalista publica ou veicula o que quer. Para que reportagens como esta tenham espaço é preciso que exista antes uma estrutura disposta a permitir que os maus profissionais violem as leis. Em última instância, também quem anuncia seus produtos em programas que exibem esse tipo de reportagem está sendo conivente e estimulando a violação de direitos.  
A responsabilidade não acaba aí. Nos blogs, onde o vídeo foi denunciado como uma violação de Direitos Humanos, parte dos comentários dos leitores pode ser assim resumida: “Ah, mas ele não é nenhum inocente”. Ou: “Queria ver se fosse você que ele tivesse assaltado”. São afirmações estúpidas, mas elas ajudam a explicar por que esse tipo de abordagem tem audiência. Persiste ainda no Brasil uma ideia de condenação sem julgamento – e o linchamento público, via TV, é uma das formas mais apreciadas de exercer a barbárie. Até porque, dessa forma, ninguém precisa sujar as mãos de sangue. 
É preciso, porém, lembrar o óbvio: até ser julgado, um suspeito é um suspeito. E só o ritual da Justiça poderá dizer se ele é culpado ou inocente. E, mesmo culpado, ele vai cumprir a pena determinada pela lei, mas continuará a ter direitos. E esta é uma conquista da civilização – contra a barbárie.
É também por causa da vontade de fazer “justiça” com as próprias mãos de parte da população que o mau jornalista se sente “autorizado” a se colocar no lugar de juiz e condenar um suspeito no tribunal midiático. Quem o legitima não são as leis tão duramente conquistadas no processo democrático, mas a audiência. Quem legitima o mau jornalismo é justamente esse tipo de comentário: “Ah, mas ele não é nenhum inocente” ou “Queria ver se fosse você que ele tivesse assaltado”.  
“Queria ver se fosse você que ele tivesse assaltado”.
Para esse tipo de raciocínio valer e o mau jornalismo continuar tendo espaço é preciso que a sociedade decida que não existem leis no Brasil e que os suspeitos perdem todos os direitos e devem ser linchados sem julgamento, nas ruas ou na TV. E isso vale para todos – e também para aqueles que gostam de expressar sua sanha porque pensam estar a salvo da sanha alheia. 
Por sorte, não chegamos a esse ponto. Mas, para que violências como a que assistimos não se repitam, não basta punir quem as comete, é preciso que cada um saiba que, ao dar audiência para o mau jornalismo, está escolhendo a barbárie. O telespectador também tem responsabilidade. Cada um de nós tem responsabilidade. É assim numa democracia: a responsabilidade é compartilhada. Quem escolhe, se posiciona e se responsabiliza. E quem se omite também escolhe e se responsabiliza. 
Este episódio, que, repito, está longe de ser exceção, poderia ser usado para iluminar capítulos não contados, ou pouco contados, ou ainda mal contados da imprensa. É importante compreender que, historicamente, parte do jornalismo policial tem uma relação promíscua com a polícia. Desde sempre. Parte porque há grandes e decentes repórteres na história da crônica policial brasileira. Mas, arrisco-me a dizer, não representam a maioria.

Na ditadura, parte dos jornalistas policiais foi conivente com a tortura dos presos políticos, da mesma maneira que já era conivente, antes, com a tortura dos presos comuns. E que, depois do fim da ditadura, continuou a ser conivente com a tortura largamente praticada até hoje nas cadeias e presídios do país. Há histórias escabrosas e ainda não bem contadas de repórteres que, inclusive, assistiam às sessões de tortura e até ajudavam a torturar. Estas só tomei conhecimento pela narrativa de colegas mais velhos – obviamente, nunca presenciei.  
Na transição democrática, nos anos 80, eu cheguei a conviver com jornalistas da editoria de polícia que andavam armados e achavam não só natural, mas desejável, a tortura de presos. Outros se limitavam a não denunciá-las. Era comum o repórter chegar à delegacia e ouvir a seguinte frase: “Espera um pouquinho, que estamos maquiando o elemento”.  
“Maquiar” o preso significava que estavam apagando as marcas de tortura, para que ele pudesse ser fotografado ou filmado. Algumas marcas, claro, restavam. E ninguém – nem repórter, nem fotógrafo, nem mesmo os leitores – achava estranho.

 É por causa dessa mentalidade, ainda hoje largamente disseminada entre a população brasileira, que as denúncias das torturas praticadas nas cadeias e prisões não causam revolta – para além das organizações de direitos humanos e alguns segmentos restritos da sociedade. Como se, ao ser condenado ou apenas suspeito de um crime, as pessoas perdessem todos os seus direitos, inclusive os fundamentais.

Se a tortura de presos políticos durante a ditadura tem grande repercussão na classe média, a tortura contumaz dos presos comuns, praticada antes, durante e depois do regime militar, é tolerada por parte da população – até hoje. Sobre a tortura disseminada nas cadeias e prisões brasileiras, aliás, aguarda-se a divulgação do relatório da ONU, cujos resultados e recomendações estão nas mãos do governo federal desde fevereiro.

Se no passado alguém estranhasse as marcas dos presos, bastava alegar “resistência à prisão” – “explicação” até hoje amplamente usada pelas polícias para justificar a morte de suspeitos. É assim que a pena de morte – punição inexistente na legislação brasileira – tem vigorado na prática no país. Suspeitos são executados pela polícia – e a justificativa é “morto ao resistir à prisão” ou “morto em confronto” ou “morto durante troca de tiros”.

Ontem – como hoje –, na prática, o preso não tinha nenhum direito a não querer dar entrevista ou ser fotografado ou filmado. Estava implícito que, se tentasse protestar, seria agredido. Era comum os policiais levantarem a cabeça do preso para as câmeras. Tanto daqueles que não queriam ter seu rosto exposto quanto daqueles que tinham sido tão torturados que não conseguiam manter a cabeça ereta sobre o pescoço.

Esta era a cultura que imperava – e em geral as redações não estranhavam, ou quem estranhava preferia deixar por isso mesmo para não ter de se confrontar com a “naturalidade” reinante. Não me parece – pelo que assistimos nesse vídeo – que hoje a situação seja muito diferente.

No início dos anos 90, um colega de jornal, Solano Nascimento (hoje professor do curso de jornalismo da UnB), que raramente cobria a área policial, presenciou um agente dar um tapa em um preso. Vários jornalistas, de outros veículos, testemunharam a cena. Mas só ele estranhou e denunciou a violência na sua matéria. O fato – o de um jornalista ter denunciado algo que para muitos era corriqueiro – causou espanto nas redações. Ainda assim, a polícia foi obrigada a abrir uma sindicância.
A imprensa que estupra - parte 3
Uma pesquisa realizada em 2009 por Marcos Rolim, Luiz Eduardo Soares e Silvia Ramos com profissionais de segurança pública mostrou que 20,5% dos quase 65 mil policiais que responderam ao questionário – 1 em cada 5 – afirmaram ter sofrido torturas em seu processo de formação. O curioso é que a cultura de violência também se fazia presente na formação dos repórteres de polícia, ainda que em proporções mais amenas. Uma espécie de “batismo de sangue” (no caso, sangue alheio) era motivo de orgulho e até de certa superioridade diante dos “frouxos” de outras editorias. Posso afirmar que isso persistiu até pelo menos a década de 90 – mas há motivos para supor que ainda exista em algumas regiões do país. 
Entre os jornalistas, a iniciação era feita de várias maneiras. Uma repórter contou que, em seu primeiro dia de trabalho, foi escoltada das 7h às 21h por um jornalista veterano, com um revólver calibre 38 na cintura (era a década de 80 e o “três-oitão” ainda vivia momentos de glória). Nestas 14 horas ininterruptas, eles acompanharam todas as mortes ocorridas na cidade – não só os assassinatos, mas também os suicídios. O veterano obrigou a “foca” a examinar os cadáveres, verificar o que havia nos bolsos, apalpar os “presuntos”, como ele chamava. Ao final do processo de violação dos corpos, ela tinha de relatar o número de buracos de bala e de perfurações de faca, sob os olhos cúmplices dos policiais responsáveis pela investigação. 
Nos deslocamentos entre um morto e outro, o veterano contava sobre como gostava de torturar “vagabundos” e lamentava o fim da ditadura. Quando a noite chegou, ele a levou ao plantão de polícia do pronto-socorro público. Lá ela viu uma mulher chegar gritando e chorando, com o corpo todo esfaqueado e o sangue saindo por todos os furos. Pela mão, a mulher levava um menino com cerca de cinco ou seis anos. Quando a jovem repórter viu os olhos do menino, deu alguns passos e desmaiou no corredor do hospital. Quando acordou, descobriu que tinha urinado na roupa durante o desmaio. 
O veterano a levou para casa no carro do jornal e, ao descobrir que ela morava sozinha, impôs sua autoridade para deixá-lo entrar, com a justificativa de que era sua responsabilidade profissional ter certeza de que ela, uma subordinada, ficaria bem. Enquanto a jornalista tomava banho, ele revistou a sua casa. Nada pior aconteceu porque ela arranjou um jeito de dizer que o sogro era professor universitário e a família do namorado deveria estar preocupada com o seu atraso. Por muitos meses ela sentiu-se violentada e não conseguia dormir sozinha em casa. Trocou as fechaduras da porta, lavou todas as suas roupas, porque o veterano repórter de polícia as tinha tocado, e botou fora tudo aquilo que não era documento, inclusive seus bichos de pelúcia.
Assim eram as coisas há não tanto tempo atrás. E acredito que ainda sejam em algumas redações do país. A reportagem que gerou a polêmica não é um episódio isolado. Assim como a teia de responsáveis é ampla e não se restringe à repórter e ao apresentador. E, por fim, a realidade a que assistimos hoje é parte de um processo histórico da imprensa brasileira, com capítulos ainda obscuros. Basta lembrar que conhecemos os nomes dos torturadores e dos legistas que assinavam os laudos falsos da ditadura, mas desconhecemos o nome dos jornalistas que foram cúmplices do regime também nos porões da repressão.
Uma linha de investigação interessante para um livro ou uma pesquisa acadêmica seria entender como a cultura da violência e a relação de promiscuidade de parte dos jornalistas de polícia com os aparatos de repressão da ditadura manteve-se e encontrou novas expressões a partir da retomada da democracia. Uma dessas expressões são os programas considerados sensacionalistas, mas com grande audiência, com reportagens como a que agora discutimos. 
Estabelece-se no país a tolerância à violação dos direitos dos presos e dos pobres, mesmo na democracia – bastando apenas fazer uma careta e dizer que os programas são “sensacionalistas”. Os “esclarecidos” dizem que não assistem “a esse lixo” – e isso seria suficiente. O “jornalismo sério” considera-se separado da ralé – e isso seria suficiente. Na prática, sabemos que, na guerra pela audiência, cada vez mais acirrada, a contaminação entre o jornalismo “sério” e o “sensacionalista” é crescente e estimulada. E, mesmo na imprensa considerada séria, parte dos jornalistas que cobrem a área, como se diz no jargão, continua “comendo na mão da polícia”. E não é uma parte tão pequena assim.

Qual é a novidade? A grande – e boa – novidade é a capacidade de mobilização e de pressão pelas redes sociais. Até não muito tempo atrás, duvido que a apuração da responsabilidade de jornalistas como os do vídeo fosse sequer cogitada. Alertado por Fabrício Ramos, pelo Facebook, o vídeo foi postado em 21/5 no blog de Renato Roval. Em menos de 24 horas foi replicado em centenas de blogs e disseminado pelo Twitter, ganhando repercussão nacional.

Se estamos discutindo esse episódio aqui é porque as pessoas estão usando a internet para exercer sua cidadania e se responsabilizar pela democracia, que vai muito além do voto. Usando os instrumentos da internet para exercer pressão legítima, forçando a quebra do corporativismo, o funcionamento das instituições e o cumprimento das leis. Não me parece que nos faltem leis – o que nos falta é justiça. E, para a parte mais frágil da população, acesso à Justiça. 
Na semana passada, os responsáveis pela condenação e humilhação públicas de um suspeito negro, pobre e analfabeto descobriram que os jornalistas não estão acima da lei. Enfim, uma boa notícia.