A Hipocrisia Humana
Em um capítulo da peça Hamlet de Shakespeare, o protagonista, de mesmo nome que a obra, produz na cena dois do ato três do livro uma peça teatral. Sua intenção era desmascarar as atrocidades feitas pelo seu tio. Esse estaria na platéia assistindo à encenação de um assassinato que imitava de modo preciso a forma pela qual usou para matar seu irmão. Tudo que Hamlet queria era uma reação por parte de seu tio em que o estimulasse a admitir seu crime. Portanto, Hamlet não estava sendo solidário com o povo organizando aquele espetáculo como muitos pensaram, estava sim, vertendo ódio pela morte injusta de seu pai e ávido por vingança. Sim: o insano Hamlet - para mim gênio - foi hipócrita.
Assim é o homem, dotado de carne, osso e hipocrisia, característica intrínseca que denota fingimento de virtudes e sentimentos onde não enxergamos em nós mesmos, mas percebemos de forma abundante em outrem. É sobre essa questão que exijo a reflexão do leitor e convoco-o para uma viagem em torno do meu entendimento sobre o assunto.
A hipocrisia humana é manifestada de diversas maneiras, mas julgo que poderíamos classificá-las em dois grupos maiores: hipocrisias impudentes e hipocrisias elípticas.
As impudentes são aquelas que conseguimos defini-la sem a necessidade de uma observação aguçada e que estão presentes de forma clara no dia a dia. Cito alguns exemplos: hoje, no mundo dos negócios, as empresas falam muito na negociação ganha-ganha onde ninguém sai perdendo, porém por traz disso estão duas estratégias bem montadas para se sair vitorioso, fica claro que esse tipo de negociação é na verdade “ganha-eu”. O que realmente cada empresa quer é sair vencedora de forma que, independente do resultado que obtenha a outra, esse não atrapalhe os negócios daquela. Temos também o caso Ronaldo e Cicarelli que disseram: “nos amamos demais”, e após três meses mudaram o discurso: “Nunca existiu amor”. Outra monstruosidade é escutar entrevistas de jogadores de futebol. É como levar chibatadas no ouvido. Com raras exceções, eles respondem sempre as mesmas coisas, no intuito de não falarem o que pensam para não se comprometerem. O que dizer então dos nossos políticos falando, gesticulando, pormenorizando todos os seus feitos e suas bondades, se defendendo em CPIs de forma tão clara e esplêndida, que a cada depoimento faz-nos, simples mortais, pensarmos que estão certos. Sem comentar sobre a posição do nosso presidente de não querer instalar as CPIs, o que, quando oposição, defendia com rigor. A oposição atual também nos deixa perplexo pelo efeito inverso. Antes não desejavam, agora desejam imensamente instalações de inquéritos. Tudo isso é hipocrisia impudente leitor, o homem usa artimanhas para se beneficiar, e ainda tem poder para se auto-justificar sobre os seus feitos para assim dormir tranqüilo.
Para apimentar o quadro há algo pior que verte em nossas veias: a hipocrisia elíptica. Uma epidemia oculta, invisível ocasionada talvez por razões ainda não desvendadas de maneira precisa pela psicologia ou qualquer outra ciência. É aquela em que, por exemplo estamos fazendo algo interessante e percebemos a presença de alguém observando nossa performance, nos dedicamos a fazer aquela tarefa brilhantemente para que o outro comente a boa atuação. É a roupa justa que algumas mulheres e alguns homens usam para que outros olhem e se interessem vorazmente. Claro que se perguntamos para esses o porquê dessa roupa tão justa a resposta é elementar: “Por que me sinto bem assim”. Outro exemplo é o fato de o homem pensar que pode trair e que a mulher não; esse estereótipo nunca é admitido por aquele, mas a grande maioria pensa assim. Esses são ou não exemplos de não é hipocrisia elíptica? Algo que está ali, invisível e ocasionando sofrimentos muitas vezes em silêncio.
A propósito, quem aqui já não mentiu sutilmente para conseguir algo? Quem já não tornou um segredo de dois em três para benefício próprio? Quem aqui já não disse: “Não gosto” ao invés de dizer: “não sei”; ou ainda disse “te amo” ao invés de dizer “te desejo”?
Como vemos a hipocrisia está entre nós. Em todos os cantos onde exista a raça humana, e em certos casos tão sutil (as elípticas), que nem os seus proprietários a percebem.
Enquanto essa epidemia não tem antídoto, resta-nos apenas denunciá-la, debate-la com rigor para amenizarmos a sua freqüência. Esse é o objetivo do presente texto. Ou será que o intuito dessa crônica seja que o maior número de pessoas a leia para que o autor seja elogiado? Não sei ao certo.
Talvez eu esteja sendo hipócrita.
Assim é o homem, dotado de carne, osso e hipocrisia, característica intrínseca que denota fingimento de virtudes e sentimentos onde não enxergamos em nós mesmos, mas percebemos de forma abundante em outrem. É sobre essa questão que exijo a reflexão do leitor e convoco-o para uma viagem em torno do meu entendimento sobre o assunto.
A hipocrisia humana é manifestada de diversas maneiras, mas julgo que poderíamos classificá-las em dois grupos maiores: hipocrisias impudentes e hipocrisias elípticas.
As impudentes são aquelas que conseguimos defini-la sem a necessidade de uma observação aguçada e que estão presentes de forma clara no dia a dia. Cito alguns exemplos: hoje, no mundo dos negócios, as empresas falam muito na negociação ganha-ganha onde ninguém sai perdendo, porém por traz disso estão duas estratégias bem montadas para se sair vitorioso, fica claro que esse tipo de negociação é na verdade “ganha-eu”. O que realmente cada empresa quer é sair vencedora de forma que, independente do resultado que obtenha a outra, esse não atrapalhe os negócios daquela. Temos também o caso Ronaldo e Cicarelli que disseram: “nos amamos demais”, e após três meses mudaram o discurso: “Nunca existiu amor”. Outra monstruosidade é escutar entrevistas de jogadores de futebol. É como levar chibatadas no ouvido. Com raras exceções, eles respondem sempre as mesmas coisas, no intuito de não falarem o que pensam para não se comprometerem. O que dizer então dos nossos políticos falando, gesticulando, pormenorizando todos os seus feitos e suas bondades, se defendendo em CPIs de forma tão clara e esplêndida, que a cada depoimento faz-nos, simples mortais, pensarmos que estão certos. Sem comentar sobre a posição do nosso presidente de não querer instalar as CPIs, o que, quando oposição, defendia com rigor. A oposição atual também nos deixa perplexo pelo efeito inverso. Antes não desejavam, agora desejam imensamente instalações de inquéritos. Tudo isso é hipocrisia impudente leitor, o homem usa artimanhas para se beneficiar, e ainda tem poder para se auto-justificar sobre os seus feitos para assim dormir tranqüilo.
Para apimentar o quadro há algo pior que verte em nossas veias: a hipocrisia elíptica. Uma epidemia oculta, invisível ocasionada talvez por razões ainda não desvendadas de maneira precisa pela psicologia ou qualquer outra ciência. É aquela em que, por exemplo estamos fazendo algo interessante e percebemos a presença de alguém observando nossa performance, nos dedicamos a fazer aquela tarefa brilhantemente para que o outro comente a boa atuação. É a roupa justa que algumas mulheres e alguns homens usam para que outros olhem e se interessem vorazmente. Claro que se perguntamos para esses o porquê dessa roupa tão justa a resposta é elementar: “Por que me sinto bem assim”. Outro exemplo é o fato de o homem pensar que pode trair e que a mulher não; esse estereótipo nunca é admitido por aquele, mas a grande maioria pensa assim. Esses são ou não exemplos de não é hipocrisia elíptica? Algo que está ali, invisível e ocasionando sofrimentos muitas vezes em silêncio.
A propósito, quem aqui já não mentiu sutilmente para conseguir algo? Quem já não tornou um segredo de dois em três para benefício próprio? Quem aqui já não disse: “Não gosto” ao invés de dizer: “não sei”; ou ainda disse “te amo” ao invés de dizer “te desejo”?
Como vemos a hipocrisia está entre nós. Em todos os cantos onde exista a raça humana, e em certos casos tão sutil (as elípticas), que nem os seus proprietários a percebem.
Enquanto essa epidemia não tem antídoto, resta-nos apenas denunciá-la, debate-la com rigor para amenizarmos a sua freqüência. Esse é o objetivo do presente texto. Ou será que o intuito dessa crônica seja que o maior número de pessoas a leia para que o autor seja elogiado? Não sei ao certo.
Talvez eu esteja sendo hipócrita.
Marcio Portal
Publicado no Recanto das Letras em 03/02/2008
Código do texto: T844628
Código do texto: T844628
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