*Claudemir Oliveira
Na primeira parte deste artigo, falei muito dos gurus e papas de marketing e como eles influenciaram e influenciam universidades e empresas através de seus conceitos. Resumindo, saímos do foco em produto (década de 40), depois passamos para o cliente (décadas de 60-90). Ainda acho tímida, apesar do progresso, o que chamo da terceira revolução: foco no colaborador. Em outros artigos, falei que, se fosse CEO de uma grande corporação, escolheria a dedo minha executiva de Recursos Humanos (por que será que usei o feminino?), mas devido à evolução do marketing, entende-se porque as prioridades foram para outras áreas. Se o foco desde os anos 40 foi em produto, e depois cliente, é natural que Marketing, Vendas, Finanças tenham tido maior relevância. Há os que argumentam que o poder dessas áreas tem outra origem: resultados quantitativos; um bom argumento, mas essa visão premia a quem colhe os frutos e não leva em consideração quem os plantou; resultados são consequências. Essa nova revolução que proponho foca muito mais nas causas, naquilo que gera o resultado (colaborador é semente; cliente é árvore; lucro é fruto).
Aproveito para agradecer todos leitores pelos inúmeros comentários, sugestões, críticas construtivas que recebi sobre a primeira parte deste artigo. Nei Grando, por exemplo, acrescentou que devemos ter uma visão holística, o que concordo inteiramente. Então, todo o meu foco em Recursos Humanos nesses dois artigos não significa em absoluto que outras áreas da empresa não mereçam atenção. A idéia é que haja um equilíbro entre todas, mesmo havendo prioridades.
“SÍNDROME DE DANOS MORAIS ”
Eu sei que a legislação brasileira (e aqui nos EUA não é muito diferente) complica bastante meu cenário de foco maior nos colaboradores. Eu tenho um cliente que diz que parou de fazer surpresa de aniversário no seu departamento porque alguém foi à justiça for ter sofrido danos morais pela “exposição”, “humilhação” que passou. Para piorar a situaçao, ganhou a causa. Estou falando de uma das dez maiores empresas do Brasil, com quase 100.000 colaboradores. Algumas laranjas podres “infernizam” nossas lideranças e o medo “bloqueia” nossas ações. As empresas, com receio de processos que possam manchar suas marcas, acabam “punindo” todos. Justos (maioria esmagadora) pagam pelos injustos (minoria absoluta). Elas sabem que qualquer deslize e a imprensa tem um ótimo motivo para por na primeira página o ocorrido. Nem vou entrar na questão do poder de disseminação das redes sociais. Como jornalista formado, lamento que noticias de milhares de festas surpresas de aniversário (sem humilhação) não ganhem tanta atenção. O mundo não é feito apenas de notícias trágicas; deixemos para os “urubus” a “carniça”. Somos humanos repletos de qualidades. A Psicologia Positiva, criada e desenvolvida por cientistas da Universidade da Pensilvânia e Harvard, e foco do meu mestrado e doutorado em andamento, cai como uma luva nesse contexto, onde buscamos focar mais nas potencialidades que fragilidades, em contraposição à psicologia tradicional que continua usando um “Long Play” riscado com essa pergunta: “quais são seus problemas, sua fraquezas?”. “LP” é passado. A música tocada pela Psicologia Positiva é bem mais interessante, garanto.
Estamos repetindo o que se passa na nossa infância. Quando numa escola temos 1000 alunos e uma “laranjinha podre” apronta, o que acontece? O diretor decide que ninguém mais vai ter recreio. Ou seja, 999 “inocentes” pagam o preço. Quando não se sabe quem é o ‘pestinha” até se entende esse tipo de decisão, mas em 95% dos casos, o professor, o diretor, a sala inteira sabe. Então, que a correção (não necessariamente punição) seja dada à pessoa certa. Isso valorizará o bem. Nas empresas, essas atitudes acabam com uma equipe, acabam com qualquer sensação de justiça. Tenho exemplos de diretores comerciais que tem 10 gerentes e porque um faz algo errado, ele ou ela pune, também, os 9 gerentes brilhantes. “Helloooooooooooooooo???” Nossa sociedade está criando as regras baseadas nas exceções. E o pior? As exceções não são os bons exemplos. Por que fazemos isso? Se Platão estivesse vivo, cometeria suicídio por estar vivendo, mais de dois milênios depois, nas cavernas, na escuridão (ignorância). Será que vamos ter de esperar mais dois milênios para sair em busca da luz (sabedoria)? Por favor, “incluam-me fora” dessa ideia.
LÍDERES LIDERAM LÍDERES
Nas empresas por onde passei, eu mantinha um arquivo com todas as potencialidades dos colaboradores. Consegui isso através de pura observação nas funções diárias e convivência fora do escritório, seja através de almoço ou alguma ocasião social. Ao escutá-los, aprendia a ser líder. No fundo, no fundo, líderes lideram líderes. Com viagens constantes, eu dava carta branca para decisões durante minha ausência. A única condição para esse posicionamento era do aprendizado, no caso de erro. Vamos evoluir décadas em anos, séculos em décadas, com essas atitudes. Você permite erros na sua empresa? Lógico que sabemos de limites, mas existe uma grande diferença entre cometer um erro e levar a empresa à falência. Quando falo de riscos, não falo de decisões inconsequentes. Não tenho problema algum em calculá-los. Mas a intransigência a erros é tamanha que um passo já signifca precipício. Vou mais a fundo. Essa atitude está “matando” o processo de criatividade. Ao saber que, ao errar, somos severamente punidos e ainda prejudicamos outros, adotamos a política do parasita. Reflita: quantas vezes você, por medo, abortou a decolagem de um belo projeto? Quantas vezes você quis levantar voo, mas ao olhar para a torre de controle (seu lider) você sabia que não poderia errar? Pergunte a um piloto qual é a sensação de estar na pista, acelerar para uma suave decolagem, mas ter de frear quase no final da pista. É como ficar rastejante quando você tem asas. Eis o que chamo de “aborto corporativo”. Precisamos, muitas vezes, errar para acertar. Não precisam acreditar em mim, pois Thomas Edison tem mais credibilidade com sua experiência da “lâmpada”. Quantas vezes eu não fui íntegro ao mentir na minha carreira por medo de errar? Quantas vezes eu não fui honesto comigo mesmo e não tomei uma decisão por medo de errar? Quantas vezes eu não fui leal com meu cliente por ter mentido, mesmo que um pouco, sobre o que eu estava vendendo? Eu adoraria ter falado que aquela reunião semanal de uma hora (durou duas) era 5% produtiva e 95% bla-bla-bla. Você já viu esse filme? Então, as cartilhas de missão, visão e valores (integridade, caráter, honestidade, lealdade…) são válidas e devem ser seguidas, cumpridas, mas sei que em alguns momentos de minha carreira errei em várias áreas. Humanos são falíveis (afinal, diz o ditado: “errar é humano”), mas na hora que provamos essa lei natural, passamos a ser cobrados como infalíveis, como gênios, como perfeitos. Os técnicos de futebol sabem do que falo. Ganham dez, vinte jogos, e, na primeira derrota, “urubus” começam a rondar os estádios; na segunda derrota, a comunicação de massa levanta a bola publicamente, e o triste gol anunciado acaba acontecendo; se fazem isso com nomes como Murici, Luxemburgo, Felipão, imaginem o que não fazem com pobres mortais; o talento dos nomes mencionados não deveria ser questionado pelo histórico; eu fico abismado como o fanatismo, o lado emocional humano, pode ser tão desequilibrado. Os gritos dos torcedores escondem o silencioso telefonema entre os patrocinadores e o presidente do clube. Pedra, ferro e fogo nem sempre é uma boa mistura. Em geral, existe corresponsabilidade de líderes e liderados. Ao reconhecer meus limites, jogo-me ao aprendizado infinito. É feio errar, mas é bonito aprender. É ruim ser falível, mas é lindo e digno buscar a infalibilidade. É triste não dar outras chances. A cultura do medo não é salutar. Falta equilíbrio. Ninguém pode ser produtivo e medroso ao mesmo tempo.
PATRIMÔNIO INSUBSTITUÍVEL
Generalizando, o mundo corporativo usa um discurso contraditório pregado nas paredes: “meu colaborador é meu principal patrimônio”. Lindo não? Pois bem, a hipocrisia reside em outro discurso: “ninguém é insubstituível”. Você substitui seu patrimônio? Do ponto de vista da Psicologia Positiva, as pessoas, os patrimônios são, sim, insubstituíveis, mas isso fica para outro artigo polêmico. Como pessoa, como empresário, como psicoterapeuta, acredito no ser humano. Para cada fraqueza que temos, sempre temos nove potencialidades escondidas pela poeira da ignorância. Que não transformemos erros em tragédias; como diz um amigo, que o holofote egocêntrico das corporações não ofusque a luz dos colaboradores; luz nunca é demais; escuridão sempre é demais. Lembro-me que uma vez quis promover um colaborador de minha área e, ao indicá-la ao meu lider, ele respondeu: mas você vai me entregar o seu melhor colaborador? Resposta de Claudemir: E você queria o quê?”. Eu sempre torci e torço pelo brilho de meus colaboradores e nunca tive medo de perdê-los. Sempre disse que se encontrassem algo mais interessante fora, que oferecesse melhores oportunidades, melhores benefícios, seria o primeiro a parabenizá-los; quem não tem competência de deixar um colaborador brilhar, que ele brilhe na concorrência. Regra de ouro: faça para os outros o que gosta que façam para você. Nunca entendi porque na hora de preencher um cargo importante, em geral, dão o filé-mignon para alguém de fora e o colaborador fica roendo e lambendo o osso. E quando decidem pelo colaborador interno, em geral, o filé-mignon é de qualidade inferior. Aqui reside outra forma da desvalorização do seu patrimônio humano, o colaborador. As empresas que não gostarem desse meu comentário, provavelmente tem um argumento: “a qualificação do candidado interno era inferior ao externo”; um excelente argumento, pois jamais defenderia a contratação interna sem as devidas competências para o cargo. Mas será que uma empresa que não tem competência para formar novos líderes, não tem competência para promover um interno com o mesmo filé-mignon, está no caminho certo? Pelo meu tom, você já sabe minha resposta.
COLABORADOR-CLIENTE-LUCRO (SEMENTE-ÁRVORE-FRUTO)
A complexidade de uma grande organização tem seus desafios. Generalizando, os acionistas pensam mais ou menos assim: lucro-empresa-cliente-colaborador. A visão da empresa é assim: lucro-acionista-cliente-colaborador. É a natureza do negócio. Por que você acha que damos o nome de Sociedade Anônima? Colaboradores saíram do “patrão” antigo, ou seja, o pai, uma ideia familiar, para serem “órfãos anônimos”. A chance de uma mudança está em o CEO “adotá-los”. Ele é a única ponte entre o colaborador e o acionista. A distância é astronômica e o meio termo pode ser um grande avanço. Minha visão ousada é: colaborador-cliente-lucro; eu imagino o seu susto ao ver que coloquei “lucro” no final. Claudemir, você está louco? Volto a repetir o meu conceito visual: semente é colaborador; árvore é cliente; fruto é lucro; em nenhum momento eu afirmo não pensar no cliente ou no lucro. Meu pensamento analisa o mercado sobre o ponto de vista de causas e consequências. Se você não pode ter frutos antes de as sementes serem plantadas, antes de as árvores crescerem, você não pode ter lucro se não tiver excelentes colaboradores e clientes fidelizados. A missão está na semente; a estratégia está na árvore; a visão está no fruto. A missão está no colaborador; a estratégia está no cliente; a visão está no lucro. Os valores estão em como vamos tratar esta “trilogia”. Devido à complexidade das gigantes, diria que essa revolução vai começar pelas pequenas e médias empresas. Um beija-flor é mais ágil que um elefante.
Um outro ponto que gosto de deixar claro é que meu gosto por colaborador não deve passar a ideia equivocada que defendo algum conceito de “empresa comunista”. Sou a favor de grande concorrência, sistema bem competitivo onde haja diferenças salariais baseadas em competências, distribuição de lucros baseada em desempenho e por aí vai. Falo em reter talentos e mandar embora incompetentes, mas tudo sob um ângulo mais humano, baseado em Psicologia Positiva. Outro fator muito importante é que, nestes dois artigos, usei palavras diferentes para falar de um mesmo assunto. A semântica complica textos polêmicos. Dou um exemplo. Quando falei no artigo passado que Peter Drucker via o colaborador como “custo”, eu vejo como “investimento”. Um diretor financeiro deve abominar minha palavra. A mesma coisa vista sob ângulos diferentes; deve-se, também, sempre levar em consideração “quando”, “onde” “por que” algo foi dito. Nesse caso específico, são fases distintas. Dito isto, e com todo o respeito a um homem que transformou a forma de administração, insisto que a visão de que a forma de administração é de fora (cliente) para dentro pode e deve ser questionada, mesmo que seja por um David sem tantas pedras (eu) e Golias (Drucker). Agradeço a consultora Beatriz Machado que, inteligentemente, me fez refletir e me inspirou a acrescentar esse parágrafo.
GENTE TRANSFORMANDO GENTE
O maior desafio dessa revolução é encontrar profissionais de Recursos Humanos preparados pela vida e por escolas que modifiquem seus currículos (incluindo um módulo Psicologia Positiva) para atender a essa nova realidade. Recursos Humanos precisa, apesar de ser difícil, encontrar formas mais “quantitativas” de mostrar seu trabalho, pois essa linguagem é melhor apresentada por outras áreas. O mais importante, no entanto, é que precisamos que o topo da pirâmide entenda de pessoas. Sem o apoio desses líderes, continuaremos “desafinados”. A empresa é uma orquestra. Maestro sozinho, músicos sozinhos não fazem sinfonia. Sinfonia é uma questão de sincronia e sintonia. Líderes que deixam colaboradores carregarem pianos sozinhos são incompetentes. Que música sua empresa toca? Eis meu lema para a liderança do futuro: somente gente que entende de gente pode transformar gente (talvez aqui, eu responda a pergunta do primeiro parágrafo sobre a mulher. A inteligência emocional delas será o grande diferencial no novo contexto).
Termino, tomando a liberdade de falar diretamente com você, leitor. Imagine que neste exato momento eu estou aí na sua frente. Receba, pessoalmente, minha gratidão pelo seu tempo, tão precioso nos dias de hoje; como não ser grato quando você me escolheu no meio de milhões de textos, Facebook, Twitter, Orkut e tantos outros? Saiba que eu também o escolhi, por isso estou aqui; fico fascinado em aprender com você que, de forma construtiva, corretiva, ao longo dos anos, se transformou em coautor de minha própria história; o meu melhor texto é sempre o próximo. Sabe por que? Porque vem com sua assinatura, com sua marca; saiba que escrever um novo artigo é como entrar em uma floresta desconhecida, correr riscos, mas com a visão de encontrar novos caminhos, novos horizontes, o elo perdido. As palavras são milhões de folhas que voam do alto, flutuam bailando e pousam suavemente num tapete verde selvagem. Uma palavra, uma frase impecável num texto é como uma pérola, um diamante. Um artigo, um livro, quando bem feito, é um tesouro. Somos caçadores em busca de tesouros no elo perdido; para encontrá-los, uso seus comentários como “GPS”; são eles que abrem caminho para minha busca incessante de um novo destino; são eles que me indicam se existem “folhas venenosas” pelo caminho e, ainda, mostram que não é a última machadada que derruba uma árvore; por isso, minhas descobertas são nossas descobertas; que possamos, juntos, usufruir dos lagos, bosques, cachoeiras, pássaros, frutas e de paradisíacas ilhas que encontraremos entre parágrafos, vírgulas, pontos de interrogação, pontos de exclamação, mas nunca em pontos finais. Mesmo quando você não me escreve, saiba que sua mensagem chega da mesma forma; você é ouro transcendental; muito obrigado e nos vemos nas próximas ilhas!
* Presidente do Seeds of Dreams Institute, na Flórida (EUA), instituto focado na Psicologia Positiva aplicada às pessoas e às corporações. Jornalista com mestrado e doutorando (EUA) em Psicologia, tem mais de 20 anos de experiência em empresas como American Airlines, United Airlines e Walt Disney Parks & Resorts, onde liderou estratégias de treinamento global e foi professor da Disney University. Vive em Orlando e é membro vitalício da Harvard Medical School Postgraduate Association. Contato: claudemir@seedsofdreams.org
Fonte:
http://www.inteligemcia.com.br/32923/2011/05/23/recursos-humanos-terceira-revolucao-corporativa-parte-2/
Nenhum comentário:
Postar um comentário